Em seu último voto no STF, Luís Roberto Barroso defendeu a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.

Em seu último voto no STF, Luís Roberto Barroso defendeu a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.

O ministro Luís Roberto Barroso encerrou sua trajetória no Supremo Tribunal Federal (STF) com um voto que promete marcar a história do país. Nesta sexta-feira (17), em sua última sessão antes da aposentadoria, Barroso defendeu a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gravidez, classificando o tema como uma questão de saúde pública e dignidade humana.

Com o posicionamento do ministro, o placar do julgamento fica 2 a 0 pela descriminalização, juntando-se ao voto da ex-ministra Rosa Weber, que já havia se manifestado a favor em setembro de 2023.

Um voto que ecoa na história

O caso é resultado de uma ação protocolada pelo PSOL em 2017, que pede que o aborto até 12 semanas deixe de ser considerado crime. O partido argumenta que a criminalização atinge desproporcionalmente mulheres negras e pobres, que recorrem a métodos clandestinos e inseguros.

Em um voto firme, porém equilibrado, Barroso afirmou que o aborto não deve ser tratado como um ato criminoso, mas sim como um problema social e sanitário.

“A criminalização do aborto pune as mulheres pobres e vulneráveis. As ricas não são presas. O Estado deve atuar para prevenir, não para punir”, afirmou o ministro.

Barroso: “Não sou favorável ao aborto, mas à liberdade e à vida segura das mulheres”

Em seu discurso de despedida, Barroso foi enfático ao dizer que não é favorável ao aborto, mas à proteção da mulher e ao respeito à autonomia individual.

“O papel do Estado é evitar o aborto — com educação sexual, acesso a contraceptivos e apoio à gestante que queira ter o filho. Mas o sistema penal não é o caminho. Ele só aumenta o sofrimento das mulheres”, declarou.

O ministro defendeu ainda que o aborto seguro e legal é um direito básico de saúde pública, citando países como Portugal, França, Espanha e Uruguai, que tratam o tema com políticas preventivas e acesso a serviços médicos adequados.

A herança de um voto e a força de um símbolo

O voto de Barroso é mais que uma decisão jurídica — é um gesto político, ético e simbólico. Ele encerra sua passagem pelo Supremo com um tema que há décadas divide o Brasil, tocando em valores morais, religiosos e de direitos humanos.

Para especialistas, o ministro lança luz sobre a desigualdade estrutural no acesso à saúde reprodutiva.

“Quando uma mulher rica aborta, é tratada em hospital particular. Quando uma pobre faz o mesmo, vai para o cemitério ou para a prisão”, disse uma jurista ao comentar o voto.

O que está em jogo no Supremo

O julgamento foi suspenso após pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes, o que interrompeu a votação até nova data. Apesar disso, o voto de Barroso ficará registrado como um marco histórico e divisor de águas no debate sobre os direitos das mulheres no Brasil.

Atualmente, o aborto só é permitido em três situações no país:

  • Estupro,
  • Risco à vida da gestante,
  • Fetos anencéfalos.

Se prevalecer o entendimento de Barroso e Rosa Weber, o Brasil seguirá a tendência de países democráticos que tratam o aborto até 12 semanas como uma decisão pessoal da mulher, amparada por políticas públicas de saúde e informação.

Último voto, legado duradouro

Barroso se aposenta neste sábado (18), encerrando uma trajetória marcada por posições progressistas e de defesa das liberdades individuais. Entre seus marcos no STF, estão o casamento homoafetivo, a ficha limpa, o combate à tortura em presídios e o direito à eutanásia em casos extremos.

Em sua despedida, ele deixa um recado que ecoará por muito tempo:

“Não há Justiça onde o sofrimento é desigual. E não há democracia onde as mulheres não têm o direito de decidir sobre o próprio corpo.”

Por que este voto importa

O voto de Barroso reacende o debate mais sensível do país: até onde o Estado deve interferir na vida das pessoas?

Mais do que um julgamento jurídico, o que está em pauta é a autonomia feminina, o acesso à saúde e o papel da Justiça em uma sociedade desigual.
Barroso se despede do Supremo como um juiz que não fugiu da polêmica — e que preferiu marcar seu nome pela coragem, não pela omissão.

O Brasil segue dividido, mas uma coisa é certa: o último voto de Barroso não foi apenas uma decisão judicial — foi um grito pela liberdade, pela dignidade e pela responsabilidade do Estado com as mulheres.
A história, agora, é quem julgará o ministro.