
R$ 1,25 milhão para recuperar estrada em Arari desapareceu após série de transferências bancárias. STF enviou caso à PGR para investigação 💰⚖️
Os R$ 1,25 milhão destinados à recuperação de estradas vicinais em Arari (MA), por meio de emenda parlamentar do deputado federal Pedro Lucas Fernandes (União Brasil), desapareceram antes que qualquer obra fosse feita.
A revelação foi feita em reportagem publicada por O Globo e expõe um caso emblemático da falta de controle sobre as chamadas “emendas Pix”, modalidade de repasse sem vinculação a projetos específicos.
Estrada de terra e isolamento
O recurso deveria recuperar os 30 km de estrada que ligam o povoado de Canarana ao centro de Arari, um trajeto de 40 minutos que, durante o período chuvoso, se torna praticamente intransitável.
“Ano passado ficamos 20 dias sem poder sair daqui. Sem estrada, a gente fica isolado”, contou a lavradora Dulce da Conceição Bezerra da Costa, moradora da região.
Apesar das promessas, a obra nunca foi realizada.
Segundo a prefeita Maria Alves Muniz (MDB), que assumiu o comando do município após Rui Filho (União Brasil), o dinheiro “simplesmente sumiu”.
“Esse valor desapareceu. Não foi para obra nenhuma”, afirmou a gestora, que diz ter herdado as contas da prefeitura zeradas.
O caminho do dinheiro
Documentos obtidos pela reportagem mostram que o valor enviado em agosto de 2023 foi repassado para quatro contas diferentes da própria prefeitura, misturando-se a outras verbas municipais.
A prática dificultou o rastreamento dos recursos e, na avaliação de especialistas, se assemelha a técnicas de lavagem de dinheiro.
“É um método similar ao usado por facções criminosas. Criam rotas complexas que impedem o acompanhamento público”, comparou Gregory Michener, da FGV.
O caso foi encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), e o ministro Flávio Dino determinou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) avalie a abertura de investigação.
Deputado diz desconhecer destino da verba
Autor da emenda, Pedro Lucas Fernandes afirma não saber como o dinheiro foi gasto pela prefeitura e atribui a responsabilidade ao ex-prefeito Rui Filho, seu aliado político.
“Confesso que desconheço para onde foi a emenda. O gestor tem que dizer onde aplicou. Acho natural que haja uma explicação”, disse o deputado.
Já Rui Filho alega que o recurso foi usado no custeio da prefeitura, incluindo pagamento de transporte de lixo, medicamentos e até folha salarial — o que é proibido pela Constituição.
O ex-prefeito também afirmou ter redirecionado parte do dinheiro para ações emergenciais após enchentes em 2023, mas os registros mostram que as transferências foram feitas meses depois do fim das cheias.
Empresas suspeitas e rastros apagados
Uma planilha entregue pelo ex-prefeito à Controladoria-Geral da União (CGU) indica pagamentos a 11 empresas — entre elas, um lava-jato, um posto de gasolina, uma loja de artigos esportivos e uma empresa de ar-condicionado.
Uma das firmas está registrada em nome de uma beneficiária do Bolsa Família, que negou ter recebido os valores.
No endereço da suposta loja, o Globo encontrou um escritório de advocacia fechado, e nenhuma prova de que a empresa tenha prestado serviço à prefeitura.
“Nunca funcionou nenhuma empresa aqui. O prédio é da minha família”, afirmou o proprietário Rafael Gama.
A lista inclui ainda uma construtora de Vitória do Mearim, cidade vizinha, registrada em nome de um beneficiário do auxílio emergencial. No local, funcionários disseram não saber de qualquer contrato com Arari.
Comunidades seguem isoladas
Enquanto isso, moradores das áreas rurais continuam sem acesso a estradas seguras.
O catador Antônio de Jesus Costa conta que ônibus escolares não conseguem circular durante o período de chuvas.
“As crianças ficam semanas sem ir à escola. Só conseguem a pé, quando dá. É pela misericórdia de Deus”, lamentou.
Fiscalização e investigações
Para a diretora da ONG Transparência Brasil, Marina Atoji, o caso expõe um modelo contábil usado para ocultar o destino do dinheiro público.
“Essas transferências em camadas lembram o funcionamento de offshores, criadas para esconder o destino final dos recursos”, explicou.
A cientista política Beatriz Rey, da Universidade de Lisboa, destaca que a falta de transparência começa na origem das emendas.
“Não é só a prefeitura. O parlamentar também deve ser responsabilizado quando o dinheiro é desviado da finalidade”, defendeu.
O caso de Arari integra a lista de mais de 80 investigações abertas pelo STF sobre emendas parlamentares, algumas em sigilo.
Operações da Polícia Federal já identificaram empresas fantasmas, uso de laranjas e agiotas para movimentar os valores repassados a prefeituras.
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