
Aos 82 anos, Milton Nascimento enfrenta a demência por corpos de Lewy, condição que mistura sintomas de Alzheimer e Parkinson e traz novos desafios à sua saúde.
O Brasil recebeu com surpresa a notícia de que Milton Nascimento, um dos maiores nomes da música nacional, foi diagnosticado com demência por corpos de Lewy (DCL). Aos 82 anos, o cantor já havia revelado em 2023 que enfrentava a doença de Parkinson, mas agora os médicos confirmaram um quadro ainda mais complexo, que combina características do Alzheimer e do Parkinson em uma condição única, progressiva e desafiadora tanto para pacientes quanto para familiares.
A demência por corpos de Lewy é considerada a segunda causa mais comum de demência degenerativa em idosos, ficando atrás apenas do Alzheimer. Ela é provocada pelo acúmulo anormal da proteína alfa-sinucleína nos neurônios, formando os chamados corpos de Lewy, que comprometem a comunicação entre as células cerebrais e levam à degeneração progressiva do sistema nervoso. Embora afete milhares de pessoas no mundo, a doença ainda é pouco conhecida do público e muitas vezes confundida com outras síndromes neurodegenerativas, o que atrasa o diagnóstico e dificulta o tratamento.
Os sintomas costumam variar e apresentam flutuações, com dias de maior clareza cognitiva e momentos de confusão acentuada. Entre as manifestações mais comuns estão dificuldades de atenção, raciocínio e planejamento, problemas de memória que tendem a surgir em fases mais avançadas, além de alterações motoras semelhantes às do Parkinson, como rigidez, lentidão nos movimentos, marcha curta e perda de equilíbrio. Uma das características marcantes da doença é a presença precoce de alucinações visuais complexas, muitas vezes detalhadas e realistas, que podem gerar medo, ansiedade ou até episódios de agressividade. Outro sintoma importante é o transtorno do sono REM, no qual o paciente “encena” seus sonhos, mexendo braços e pernas durante a noite.
Diferenciar a DCL de outras demências é um dos maiores desafios da medicina. No Alzheimer, a perda de memória costuma ser o sintoma inicial mais evidente, enquanto na DCL os déficits de atenção e percepção aparecem antes. Já no Parkinson, as alterações motoras precedem os prejuízos cognitivos, ao contrário da DCL, em que os dois tipos de sintomas surgem quase simultaneamente. Essa sobreposição de sinais faz com que a doença seja frequentemente confundida, atrasando o início do tratamento adequado.
Atualmente, não existe cura para a demência por corpos de Lewy, mas os tratamentos buscam controlar os sintomas e oferecer qualidade de vida. Medicamentos como rivastigmina e donepezila são usados para preservar funções cognitivas, enquanto drogas antiparkinsonianas como a levodopa podem ser prescritas com cautela para aliviar sintomas motores. No entanto, o uso de antipsicóticos para tratar alucinações requer extremo cuidado, já que pacientes com DCL apresentam hipersensibilidade a essas medicações, que podem agravar o quadro. Por isso, a abordagem é sempre multidisciplinar, envolvendo fisioterapia para melhorar mobilidade, fonoaudiologia para preservar fala e deglutição, terapia ocupacional para adaptar atividades diárias e apoio psicológico para lidar com os impactos emocionais da doença.
A ciência tem avançado na busca por novas formas de diagnóstico e tratamento. Pesquisas recentes utilizam organoides cerebrais (minicérebros criados em laboratório) para entender como os corpos de Lewy se formam, enquanto tecnologias como sensores de movimento em calçados e análise da escrita estão sendo estudadas como formas de identificar precocemente alterações motoras e cognitivas. Esses estudos ainda estão longe de representar uma cura, mas apontam caminhos para diagnósticos mais rápidos e terapias mais eficazes.
O caso de Milton Nascimento, assim como o diagnóstico póstumo do ator Robin Williams, ajuda a dar visibilidade a uma doença que atinge silenciosamente milhares de famílias. Mais do que uma notícia sobre um ídolo da música, o diagnóstico de Bituca reforça a importância de falar sobre envelhecimento, demências e políticas públicas de saúde que garantam acesso a diagnóstico precoce e acompanhamento especializado.
A trajetória de Milton, marcada por sua música e agora por esse novo desafio, abre espaço para que a sociedade discuta a demência por corpos de Lewy com mais profundidade. Conhecer os sintomas, compreender o impacto da doença e buscar apoio profissional e emocional é fundamental para familiares e cuidadores que convivem com essa realidade. Ao mesmo tempo em que a medicina busca respostas, a conscientização social se torna uma aliada essencial para que pacientes possam enfrentar a doença com dignidade, cuidado e acolhimento.